domingo, 28 de fevereiro de 2010

Reflexões: O JUDÔ DO ESPÍRTO

O judô é um esporte que trabalha o corpo e a mente. A filosofia fundamentada pelo seu criador o Mestre Jigoro Kano, o transformou no grande esporte que é, largamente difundido por todos os continentes se tornou esporte olímpico e é uma ferramenta fundamental na boa formação de crianças e adultos.

O texto abaixo foi retirado da

REVISTA PLANETA – MAIO 1996

cedido pelo prof. Marcelo Dourado
e enviado pelo prof. Marcio Barboza Moreira

O JUDÔ DO ESPÍRTO
O TATAMI É O MUNDO
O QUIMONO É O MENTAL
A FAIXA É A VONTADE
O HARA É A FÉ
SEGURAR É SOLTAR
ATENÇÃO É A CONSCIÊNCIA
O ADVERSÁRIO SOMOS NÓS MESMOS

O TATAMI É O MUNDO - “Eu não sou o tapete desenrolado do mundo; na verdade, não, não sou de parte alguma”, canta o mestre DJELLAD OD DIN RUMI, um dos maiores santos e poetas de todos os tempos. Antes de chegar nesse ponto, é preciso passar pelo mundo.

“Estava cru, fui assado, estou queimado”, diz ainda o mestre persa. “O tapete desenrolado do mundo é esse forno onde todos nós somos assados. “O judô não termina atrás dessa porta”, está escrito na saída de uma academia. Está certo, mas poderia se escrever em lugar disso: “O judô principia atrás dessa porta”.

Certa tarde, uma aluna encontrou seu mestre num atelier de cerâmica. Ele estava esmaltando alguns pires de louça pouco antes da aula. Ela, que costumava tratá-lo com muito respeito na academia, fez algumas observações pouco delicadas sobre sua compreensão cerâmica em particular, e do mundo em geral. Ele lhe disse sorrindo:”É assim que você trata seu professor?- Bem, respondeu a moça muito séria, o senhor só vai ser meu professor daqui a dez minutos”. O mestre não tinha, evidentemente, nenhuma intenção de ser “O MESTRE” daquela jovem durante todas as horas de sua vida, mas sua resposta era bem característica de uma maneira de pensar atual. Daí a dez minutos ela deixaria um mundo para entrar em outro, que deixaria por sua vez depois de uma hora para voltar ao primeiro...Curioso!!! O tatami está aí para aparar nossas quedas, mas é a maneira de cair que faz com que a pessoa se machuque ou não. Por isso não vale a pena acusar o mundo de dureza; é preferível antes aprender a cair. Uma boa queda chega a ser agradável, mas nisso consiste a arte dos mestres. Convém aprender a medir as quedas na matéria, antes de estar seguro do equilíbrio, porque sem isso você poderia não conseguir se levantar.

E, se um dia você encontrar seu professor “de cara cheia”, não faça como os filhos de Noé e não zombe do que para você significa “queda da matéria”, porque para o mestre a matéria é espírito e o espírito é matéria. Devemos fazer do mundo nosso dojo e conduzirmo-nos no mundo como em cima do tatami, sabendo que o mestre em nosso interior está sempre observando. E o objetivo nos dois casos é o mesmo: conduzir-se com elegância.


O QUIMONO É O MENTAL – Atenção: é por aí que você será apanhado. Antes de mais nada é preciso ter um quimono limpo. Depois, que esteja no tamanho certo. Finalmente, que esteja robusto e flexível. Seja no combate- isto é: na vida – tão desapegado quanto possível do seu quimono, que o adversário não consiga move-lo do lugar ao puxá-lo.

Lembre-se que o mental tem a mesma importância em relação à sua vida, que o quimono em relação ao judô. Não existe judô. Não existe judô sem quimono, certo, mas não é a qualidade do seu quimono que fará a perfeição do seu judô.

A FAIXA É A VONTADE – “levanta-te, cinge teus rins, e anda” No fim do combate o lutador retira sua faixa, e assim pode tirar o quimono. Da nesna forma, no fim da vida, abandonamos nossa vontade ao universo, e dessa forma podemos nos despir do manto mental, do quimono das ilusões. Mas antes de soltar a faixa, é preciso ter uma. Um quimono sem faixa é um pijama. Ora, o judô do espírito não é uma atividade para dorminhocos. Que o nó de sua decisão não se amoleça. Quanto á cor da faixa ou ao número de DANS, deixe isso para as crianças e os militares.

O HARA É A FÉ – Que sua ação seja equilibrada, apoiada sobre um lugar invisível de nossa fé, como o seu corpo está e equilíbrio apoiado sobre o centro misteriosos do HARA.

Fé tensa, fé refúgio, fé defesa, fé como um tabernáculo de músculos, estável como um giroscópio graças a sua rotação interior.

Fé de onde provem o KYAI, que abre as montanhas da dúvida. A fé encontrada mais na relva do que no castelo fortificado.

SEGURAR É SOLTAR – “ Para aquele que se agarra, a queda ocorre certamente; mas aquele que não se agarra não deve temer nenhuma queda”. Foi o próprio Buda que, há 25 séculos atrás, nos deu essa lição fundamental de judô. Uma lição a ser meditada seriamente. A verdadeira “garra” do judô, oferece ao adversário um vazio que aumenta com o fim do movimento. Para isso, você não deve se apoiar jamais sobre o adversário. Deve apoiar-se na fé luminosa da compreensão, no HARA sorridente do coração.

ATENÇÃO É A CONCIÊNCIA – Você está prestando atenção. O gesto do adversário chega de improviso e o derruba no chão. Raios!!!! E no entanto você estava prestando atenção.

Por que ele foi mais rápido? Não se trata disso, Caso contrário, a única solução seria um treinamento cego. Você treina como um obstinado, para executar uma posição e levar a melhor sobre o adversário, que se perguntará: por que ele foi mais rápido? E isso acontecerá até o final dos DANS.

O problema é o seguinte: por que minha atenção é ais lenta que um gesto? Certamente você tem medo dess.e gesto, e o medo não é o terreno preferido da consciência.

Deixe que ele o derrube, sinta como ele o derruba, sinta o estado interior dele no momento em que irá derrubá-lo. Tome simplesmente consciência do seu desejo e ele se sentirá impotente diante de você. A atenção anota o movimento que se iniciou, e o gesto chegará muito antes que qualquer medida de defesa que você tomou. Mesmo o “reflexo” não é suficientemente rápido, e você acabará indo ao chão.

A consciência, em compensação, anota as intenções do adversário, antes mesmo que ele inicie o gesto, você já está preparado. Daí a perplexidade do adversário ao encontrar um “vazio” na sua frente. Ou uma “rocha”, o que é a mesma coisa, já que decorrem ambos do mesmo fator. Como será possível transforma a atenção em consciência? Bem, isso é um dos segredos da vida. Este texto foi gentilmente cedido pelo professor Marcelo Dourado, que o recebeu de seu pai. Procurei transcrevê-lo tal qual o original.

É um recorte bastante antigo, de uma revista que não existe mais, e que infelizmente não podemos saber o autor, e também está incompleto porque trata de sete temas, e o desenvolvimento do último está faltando.

Pode ficar a cargo de cada um refletir sobre o último tema “ O ADVERSÁRIO SOMOS NÓS MESMOS”. Espero que, em tempos de judô apenas esportivo, com regras, e instituições regulamentadoras, possamos lembrar as vezes do “judô arte marcial”( muito maior!!), na luta da vida.


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